Devia ter no máximo cinco a seis anos aquele pequeno vulto descalço, no meio do asfalto abrasado, tentando atrair a atenção dos motoristas e transeuntes para suas estripulias mal ensaiadas com dois bastões cujas extremidades ostentavam pequenas labaredas. Nos parcos segundos de semáforo vermelho, realizava a proeza de não mendigar, mendigando: é um artista e quer a oportunidade de se livrar dessa vida de exclusão precoce e sem razão.
Estica as pernas e passa os bastões entre elas, joga-os para o alto repassando-os em volta do pescoço e pula e dança, qual mico de circo sem domador e sem platéia. Absolutamente ninguém presta atenção.
Espantoso como às sete e quarenta e cinco da manhã as pessoas já estão totalmente alheias a tudo e à vida que, intrometidamente, as cerca. Conversam ao celular, fumam compulsivamente, olham para o nada, miram a moça que passa apressada, buzinam na intenção de apressar o verde do sinal. Cada um hermeticamente fechado em seus carros e pensamentos.
Mas a criança mirrada e suja insiste em se mostrar como é e, com suas roupas totalmente esfarrapadas, põe em risco aquele pulsar de vida por um pouco de atenção.
Arrisco-me a procurar algo na bolsa e aproveitar os últimos segundos do sinal fechado para deixar-lhe uns trocadinhos que sirvam para mitigar um pouco a fome daquele dia.
De repente, ele grita e sai correndo desesperado, ardendo em chamas na roupa e nos cabelos. Esquiva-se dos ônibus, dos carros das motocicletas, todos impacientes com a demora do sinal.
As pessoas permaneceram estáticas e indiferentes aos gritos, ninguém repara quando ele senta na calçada do lado oposto da via e clama por socorro aos berros. Ninguém ouve, ninguém ajuda. Indignada e desesperada, começo a buzinar e gesticular para os motoristas que estão bem próximos ao menor, na calçada. Um, teve a audácia de fechar o vidro da janela para não ser incomodado. A realidade o incomoda.
Não consigo fazer nada; não posso retornar, nem ele é socorrido. De repente, vejo que ele mesmo, com o próprio bastão e as pequenas mãos, apaga as brasinhas restantes de seu cabelo, do calção.
Decido, de vez, atrapalhar o trânsito. Ligo o pisca-alerta e páro. Podem buzinar à vontade. Tento chamá-lo e ele, com olhos de lince treinados e rápidos, logo me detecta na balbúrdia do tráfego, correndo em minha direção.
– Você se machucou muito, amiguinho? Queimou? Deixa eu ver…Tem que fazer curativo. Vamos à farmácia? Pergunto, na esperança de ele concordar comigo e irmos em busca de remédios na clínica de meu irmão. Mas não foi bem isso que ouvi daquele pequeno excluído. Não quis entrar no carro e ali, em pé, do asfalto mesmo, me respondeu com a crueza de um predestinado:
– Quem dera remédio, dona. Dinheiro eu quero, remédio não. Isso não dói é nada… O que dói mesmo é minha barriga seca porque estou com fome. Bem ali na esquina tem uma padaria onde uns rapazes esperam pra eu levar esse dinheiro pra eles. Ganho a minha parte também, mas é pouquinho. Eles me usam porque rico só dá dinheiro grande pra gente pequena! Vá-se embora, dona, o sinal já abriu…
Atônita com os fatos vistos e ouvidos, entreguei-lhe o único dinheiro que tinha, me despedi do menor com um aceno, fechei os vidros da janela e segui com minha angústia para o trabalho. O coração chorava copiosamente por aquele infeliz. Dó maior não houve desde então.
À réstia da humanidade e à sombra dos homens de boa vontade, sinto-me completamente insuficiente para combater fatos aterradores como esse: do inferno dos excluídos e sobreviventes desse genocídio social, vem sendo parida e cevada uma exuberante geração de netos do Caos!
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