Simplicíssimo

Insensibilidade, Sofismas e o “Vota, Brasil!”

A mulher caminha em círculos, compulsivamente, antes de entrar ou sair de algum lugar, ou antes de tomar um ônibus…

Todos olham para ela com perplexidade. Seu sofrimento, que parece ter sido tramado n’algum dos círculos do inferno, dura 4 anos…

As pernas do rapaz, de repente, tomam vida própria… iniciam dantesca dança desordenada, coreiforme, grotesca, deformante…

Ele se casa dançando, trabalha dançando, vive dançando… Todos fogem do pobre
indivíduo. O quadro dura 4 anos…

O afeto dum outro sujeito, surpreendentemente, se torna lábil, e o cidadão desenvolve uma relação doentia com seu celular: o fone toca "Pour Elise" e correm lágrimas, lágrimas suficientes para mover as turbinas de uma bilíngue Itaipu. As crises de choro são incontroláveis, e interrompem importantes atividades de seu dia-a-dia. O tormento dura 4 anos…

Um operário, num belo dia, passa a apresentar alucinações auditivas: pensa que uma abelha entrou em seu ouvido, e ouve seu ensurdecedor ruído por 4 anos. Nenhum inseto sobreviveria 4 anos em orelha nenhuma do mundo, e, na ausência de outros sinais exteriores, somos levados a pensar que o mel pingado pelo operário em seu ouvido e suas conversas consigo mesmo, tentando acalmar a sua "abelha", não passem de comportamento alucinatório. As pessoas estranham a conduta do infeliz, tendem a se afastar, olhar atravessado… 4 longos anos alucinando!

Quatro vidas, quatro pessoas acometidas de graves transtornos neuropsiquiátricos, e uma analogia imbecil, feita por algum publicitário, que certamente se achou genial pela "criação": esses desafortunados estariam para as suas doenças como os eleitores de maus políticos estariam para a vida de suas cidades. Estúpido! Insensível!

Para quem não sabe, estou falando da campanha publicitária "vota, Brasil!" versão 1.0/2008, do Tribunal Superior Eleitoral.

"Mas será que ninguém está vendo essa barbaridade?!", pensei, ao vê-las da primeira vez.
Algumas semanas depois, leio no jornal que as chamadas do "vota, Brasil!" vão ser trocadas por umas novas com a gracinha da Lavínia Vlasak (ou algo assim), com uma mensagem bem mais humana, embora a sua simplicidade: a futura mamãe se preocupa com o futuro do seu nenê, portanto também com o de sua cidade, que é decidido pelo voto.

A troca, debaixo da grita de uma tempestade de políticos, não será por respeito aos doentes: o motivo, declarado à e pela imprensa, é que vários prefeitos e vereadores sentiram-se prejudicados, pois as propagandas estariam fazendo insinuações contra a reeleição dos nobres pró-homens municipais. Contra a reeleição! Tal é a preocupação dessa escumalha!

Essa é uma daquelas situações em que se parte das premissas erradas para chegar a um resultado correto. Sabem aquela história, né?

É como dizer: "todo homem é uma pedra; Sócrates também é uma pedra, logo, Sócrates é homem". Pois é. Minha angústia de ver essa exposição indevida e insensível da doença mental, de qualquer forma, vai acabar.

OK! Agora, vamos à gracinha da Lavínia, com seu bebê de ditoso porvir – já que a mamãe dele é uma cidadã consciente e vota certo, seu futuro está garantido! Opa! Agora sou eu quem está sofismando! Gulp!

Luiz Eduardo Ulrich

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