Simplicíssimo

Memória errada


Acordou com uma baita dor de cabeça e aquela sensação de que havia perdido algo. A memória talvez?
Na sabia, estava mais dormente que boca em cadeira de dentista. E aquele cheiro no ar? Álcool etílico? Seriam restos da bebedeira do dia anterior?
Não conseguia se lembrar onde esteve noite passada, com quem falara e muito menos como veio parar em seu… Mas que quarto era aquele?
Olhando ao redor viu-se num cômodo assombreado com quadros envoltos em molduras escuras e imagens de pessoas, paisagens, abstrações que não lhe pareciam familiar. No ar um cheiro de café passado recentemente e o som de uma música ao fundo. Não conseguia discernir de que tipo era.
Que dia era? Seus passos o guiaram para onde vinha o som e espantou-se quando, ao entrar na cozinha, debruçada sobre uma revista, uma senhora de cabelos grisalhos levantava vez em quando os olhos para um gole de café.
– Oh meu amor. Que cara horrível. – disse a senhora solicita.
As pernas tremeram. Passou os olhos ao redor e viu que não era tão estranho assim. Ali estava sua poltrona favorita. Como estava gasta.
– Tome. Aqui esta seu café.
Foi então que notou suas mãos. Eram velhas. Eram mãos cheias de manchas e rugas, dessas senis, de muita vivência mesmo.
– O que está acontecendo? – murmurou.
– Hã? O que disse? Perguntou a senhora, demonstrando um sorriso cheio de vincos.
Tremulo caminhou até o banheiro e percebeu que a dormência que sentia nada tinha a ver com uma boa farra regada a mulheres e bebedeira.
Sentia agora a mão em seu ombro quando olhou no espelho. Quase caiu de costas. Não era ele ali refletido. Era um velho. Era a fisionomia de um homem de 80 anos, cansado, com olheiras e espantado. Estava preso num corpo que não reconhecia.
– Venha Ca meu querido. Vamos nos sentar.
Retirou agressivamente a mão daquela mulher idosa a seu lado. Quantos anos ela tinha? Se lembrava daqueles olhos azuis mas, quem era ela? Tinha idade para ser sua mãe.
– Quem é você? – a voz saiu fraca, débil, debilitada.
Padecida, a senhora afastou-se para seu quarto. Há dez anos, desde que seu marido foi diagnosticado com mal de parkson, via indubitavelmente seu companheiro de décadas acordar todas as manhãs com a última lembrança que era capaz de ter: A frescura dos anos e o vigor de um homem ainda jovem desesperadamente incapaz de ver sua realidade.

Priscila Magalhaes

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