É hora de ir aonde ninguém foi.
Há quase 30 anos, olhamos apenas para trás. Vemos a cabeça de Dom Elias ser tocada por uma centelha divina e nos dar o Brasil. Invejamos a doce morte do colorado que deixou o corpo na social do Gigante, eufórico e confuso, sem entender como Escurinho e Falcão colocaram por terra as leis da física, contra o Atlético Mineiro. Depois, sarcásticos, acompanhamos o cortejo fúnebre dos corintianos indo se afogar no Tietê, assim que Valdomiro lhes ensinou o que era um verdadeiro ‘paulistão’.
Ainda com o pescoço virado, enxergamos palmeirenses cabisbaixos, deixando o Morumbi e tocando fogo em jornais que levantavam a estúpida dúvida sobre quem era o melhor entre Mococa e o futuro Rei de Roma. Embasbacados com a mais estupenda atuação de um camisa 5 na história do futebol. Saudosos, assistimos à Velha Raposa de pé na casamata, aplaudindo o príncipe Jair por ter quebrado a espinha de Leão e colocado a terceira estrela no manto vermelho. Junto, o exclusivo ramo de louros. O ramo verde da esperança. A esperança em tempos ainda melhores. De alegrias e conquistas inimagináveis. Do melhor time do mundo da segunda metade da década de 70.
Mas as glórias almejadas nunca vieram. O ramo foi suprimido. Em seu lugar, patrocínios. Uma quarta estrela nasceu, com a sina de ter seu brilho eternamente ofuscado. A ponto de receber olhares que beiram o asco, como se fosse melhor nunca ter brotado. Assim, há quase 30 anos, olhamos apenas para trás. Agora, temos de virar a cabeça para frente.
É hora de ir aonde ninguém foi.
Quando Rafael Sóbis balançou dois equatorianos e soltou a patada de direita, um novo ramo verde se encravou do lado esquerdo do peito de metade do Rio Grande Sul. O grito de gol que estremeceu o Menino Deus fez ondas no Guaíba e mareou os olhos de 40 mil apaixonados. Como o bel-canto, que emociona e regozija, a enlouquecida sinfonia alvi-rubra empurrou aquele time para um dos melhores segundos-tempos do clube quase centenário. Só uma torcida no mundo conseguiria produzir
arte sem instrumentos, valendo-se apenas da batida do coração. O Amor inveja o concreto do Beira-Rio.
O sentimento que nasce por trás do S, do C e do I entrelaçados deveria ser catalogado como doença perigosa e incurável. Contagiados desde o berço, nesse exato momento, vivemos uma crise. Assustadoramente aguda. Sem precedentes. Nunca o povo do ‘Clube do Povo’ esteve tão imbuído, tão concentrado. E é disso que precisamos. Daqui para frente, cada vez mais. Dia a dia. É hora de ir aonde ninguém foi.
Nada é relevante até a quinta-feira da próxima semana. Olhe para o lado. O mundo está parado. Note como o relógio travou. Seus problemas são irrelevantes. Sua mãe é irrelevante. Sua existência é irrelevante! A vida é uma camisa vermelha. Nada mais. É hora de ir aonde ninguém foi.
Antes de dormir, não reze, nem peça nada. Apenas feche os olhos. Imagine o Beira-Rio. Olhe em sua volta. 70 mil irmãos em pé. No setor sul, barras tremulam. Cabeças sobem e descem. Mãos em riste, mandando gremistas tomarem aonde eles gostam. Aparece a Academia do Povo. Brincando de Deus, a Camisa 12 cria uma nebulosa que tapa o gramado. O Inter é uma força da natureza. O jogo começa. Partida tensa. Feia. Dura. A cada carrinhaço, você pula como se fosse o título mundial. Intervalo. 0 a 0. Chove. As pernas cansam. Você não esmorece. Somos colorados, gaúchos e peleadores.
O jogo recomeça. O juiz erra. Estamos com um a menos. A voz acaba. Mas somos todos teus seguidores, lembra? Nada vai nos separar! Você continua empurrando com a alma. 45min. Perdigão lança. Sóbis dribla e cai. Falta. Na risca da área. O mundo está em silêncio. Viver não é preciso. Jorge Wagner é preciso. O grito de gol ergue o Gigante aos céus. A explosão ensurdece a América. Você abraça quem está do lado. Não importa quem é. Estará com uma camisa vermelha e terá dado a vida pelo time que você ama. Ajoelhado no concreto sagrado, você chora. O choro de desabafo que segura desde que escolheu o Internacional como estilo de vida. Você não deve mais nada para ninguém.
Você nunca foi nem nunca será menor do que ninguém.
Acreditem, esse é o nosso destino. A responsabilidade é nossa. Só nossa. É hora de fazer história.
É hora de ir aonde ninguém foi.
(Emanuel Neves)
Comente!