Simplicíssimo

Edição 282 (11/06/08) – Dia dos Namorados

Olá, caros e inspirados colegas escritores!

Abro o editorial agradecendo ao pedido do Eduardo Sabbi para que eu escrevesse esta página, e um agradecimento a mais pela receptividade, após um período de afastamento meu das atividades de escrita. Buenas, estou aqui novamente, e alegre pela possibilidade de voltar a pertencer ao "condomínio literário" do Simplicíssimo, onde nos visitamos, compartilhamos afinidades literárias comuns e nos encontramos pelos corredores dos comentários!

O pedido do Eduardo deveu-se à chegada do Dia dos Namorados, data que convida a viver o amor em sua plenitude, celebrando ou refletindo, e também ao fato de que, como já comentei no site algumas vezes, em 2007 traduzi o livro "A Natureza do Amor" (Ed. Atheneu, 2007), da psiquiatra e pesquisadora italiana Donatella Marazziti, que há muitos anos vem estudando a neurobiologia do sentimento amoroso. O tema me fascinou (e o amor é sempre tema que me fascina) e fiz contato com a autora, o primeiro de uma série até a finalização deste árduo, mas tão gratificante trabalho, que foi a tradução. Convidou-me a traduzir o livro no Brasil, conferenciou em nosso Congresso Brasileiro de Psiquiatria e está por lançar seu próximo livro na Itália, sobre a neurobiologia do ciúme (interessantíssimo!), com perspectivas de publicação no Brasil com nova tradução minha. Considero que o trabalho de Dra. Donatella seja muito válido sob a perspectiva de elucidar mecanismos neuroquímicos envolvidos na paixão e no amor sem tirar destes a poesia, apresentando-os na esfera biológica como partícipes da nossa condição humana. A isto se acrescenta o fato de que conhecer ainda mais o sentimento amoroso abre a possibilidade de apreendermos suas armadilhas biológicas, seus artefatos e percursos, com a compreensão acerca deste sentir, algo relevante no que concerne ao nosso amadurecimento na vida adulta.

Roland Barthes, em "Fragmentos de um Discurso Amoroso" refere que [todo coração quer ser objeto de um dono], o que, a meu ver, é a mais límpida verdade: o desejo de ter-se o coração habitado e a solidez tranqüila do amor fazem parte de nossa bagagem cultural e psíquica no Ocidente, e toda uma gama de substâncias e engrenagens entram em jogo para que isto e realize. Acrescento um trecho de Neruda, acerca da expectativa desta ocupação e dos sofrimentos a ela inerentes…

"(…) E assim te espero como casa só
E voltarás a ver-me e habitar-me
De outro modo me doem as janelas".

O amor é resultado do complexo funcionamento que nossa parte mais evoluída do sistema nervoso central é capaz de criar: o neocórtex contém o repertório de emoções mais elaboradas, como o estabelecimento de vínculos, a vontade e decisão de estar com alguém, de manter a ligação e a fidelidade, de empenhar-se na relação afetiva, de habitar o coração do outro e de tê-lo habitado, de aceitar o outro tal como é. O cérebro límbico é o responsável por nossa libido ligada ao outro, nosso prazer sexual associado à atração e desejo; o cérebro reptiliano, o mais primitivo, é o responsável por nossos instintos sexuais, agressivos, de sobrevivência. Estas três estruturas, de estratos de evolução diferentes, são fundamentais como conjunto, para que possamos exercer o sentimento de aproximação com o outro em todas as esferas de nosso existir.

Este esclarecimento, como tantos outros muito interessantes e relevantes, são fornecidos pela pesquisadora com uma linguagem clara e acessível, como uma leitura informativa e lúdica, ao mesmo tempo. Além do acima exposto, há também explicações sobre o papel de estruturas cerebrais específicas, neurotransmissores e seu funcionamento, mecanismos atribuíveis às fases de apaixonamento e vínculo, e a necessidade de que haja uma evolução natural do primeiro para o segundo, consistindo o amor numa entidade dinâmica, que deve evoluir e envolver nossa biologia em todas as suas dimensões.

Porque sim, nos apaixonamos, e queremos viver esse sentimento em sua plenitude, permitindo que outras demandas de nossa vida sejam deixadas de lado, permitindo que a orquestra de sensações pela qual somos tomados toque em todo nosso ser, ocupando cada espaço de nosso corpo, de nosso dia, de nossa noite. E é assim, sabemos…Essa descarga intensa, essa tempestade de sentimentos e impressões é de nossa essência mais primordial, associada ao nosso cérebro límbico, antes que nosso neocórtex (o mais evoluído, "dono da razão") entre em cena e comece a questionar nossa escolha- sua participação chega com atraso, quando os mecanismos que regem o apaixonamento já estão imperando: por isto diz-se que a paixão é um sentimento "prepotente", o que em biologia significa dizer que prepondera, ocupa espaço, não abre portas para outras condições. E então, somos por um período ‘reféns’ desta intensidade. O processo inflamatório vai se atenuando, nossas demandas da rotina pedem espaço, o córtex convida a refletir, as descargas bioquímicas sofrem uma habituação e tudo se modifica gradualmente….Até que os caminhos se bifurcam e, ou entramos pela estrada do amor, ou terminamos o relacionamento…Simples assim? Não! A complexidade está na forma como vivemos a primeira etapa para chegarmos à segunda, o estabelecimento do vínculo. Todas as etapas são necessárias, é preciso passar pela paixão para chegar ao amor, biologicamente falando…Podemos encontrar o amor de outras formas, claro, e não há nada de mal nisso: o exposto nos estudo da pesquisadora é o fato de que é preciso que haja nascimento, florescimento, evolução, que não acordamos amando o outro, mas aprendemos a amá-lo com o percurso de nossos processos biológicos e psíquicos.

Para todas estas explicações teóricas temos os correspondentes sentimentos em nós, quer seja expectativa, realização, alegria ou tristeza, partes de nosso arsenal humano. E então, sentir todas essas facetas, conhecendo-as, faz de nós indivíduos mais plenos? Cada um saberá sua resposta, mas como tradutora, psiquiatra e ser humano, concordo com a colocação da autora do livro: "um maior conhecimento dos sistemas biológicos que contêm os vários componentes e as várias etapas do amor poderá apenas ajudar-nos a amar de maneira cada vez mais completa. Descobrir as raízes biológicas do amor, segundo nós, significa também descobrir sua humanidade, liberada de qualquer influência de cultura e sociedade, e alcançar o seu significado mais profundo." (Donatella Marazziti). Para este Dia dos Namorados, desejo aos colegas escritores e leitores um espaço interno reservado à este sentimento, seja em sua vivência mais plena,celebrando o amor, seja de modo intimista, refletindo sobre o modo de melhor vivê-lo.

Agradeço a todos por chegarem até aqui, e até a próxima semana, na coluna Labirintos! Abraços, Betina


Em tempo: essa edição traz mais uma estréia: Elainemalmal. E muda de cor, em homenagem à semana dos namorados, para aquecer os olhos e corações dos amantes. Que o amor esteja com vocês!

Betina Mariante

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