Simplicíssimo

Entrevista com o poeta Douglas da Cunha Dias

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CC: Fale um pouco sobre você, sobre sua infância.
Douglas da Cunha Dias: Nasci em Belém, minha família é toda de Belém. Morei apenas um ano fora, Rio de Janeiro, 1999-2000, pra cursar mestrado. Minha infância: invento-a bretoniana, ao lado do meu irmão (2 anos mais novo que eu), meus pais, primos, tios e avós. Morávamos todos no mesmo bairro, tivemos uma criação bem próxima. Brincadeiras, cirandas, passeios, coisas assim. Minha mãe morreu quando eu tinha 13 anos; tal perda foi de grande impacto para a vida de todos nós. Sobrevivemos. Daí veio o rock, o blues e muitas loucuras impublicáveis. Um dia acordei formado em educação física e, logo adiante, professor concursado da Universidade Federal do Pará; trabalho com disciplinas ligadas ao universo da filosofia, antropologia e sociologia, em três cursos, educação física, pedagogia e licenciatura em dança. E escrevo. E sonho. E desperto. Não necessariamente nessa ordem.

 

CC: Quando você descobriu a poesia? Ou a poesia lhe descobriu?
Douglas da Cunha Dias: Rabiscava palavras, entre meus 16 e 20 anos, acreditando que um dia seriam letras de rock ‘n’ roll. Não há registro algum delas. Depois, um longo hiato. A partir de 2000 comecei a freqüentar a sala de poesia, chat do terra – nesse tempo existia vida inteligente por lá. Estabeleci contato, virtual, com algumas delas; duas, em especial. Permita-me revelar apenas os nicks: menino sujo de tinta (esquilo) e a morphine. Até hoje converso com o esquilo, que, por sinal, tem um blog muito bom, mas acho que ele não gostaria que eu revelasse o endereço. De fato, considero que foi desta forma que comecei a escrever – em um chat, pasme. De lá pra cá, não parei mais. Descobri a poesia quando ela soube de mim.

CC: Você é um poeta de uma fecundidade ímpar. Você mantém vários blogs na internet, como você consegue? Tudo começou com o vomitando imagens, não é? Fale um pouco sobre seus blogs. Quando você decidiu publicar na internet?
Douglas da Cunha Dias: Decidi publicar justo no dia do meu aniversário, 23 de setembro, ano de 2004. Eu estava no chat, conversando com a morphine e ela lançou o desafio: crie um blog. Bem, eu criei o vomitando imagens.
Não sei explicar, racionalmente, como mantenho esses blogs. Considero que cada um deles tem um perfil, expressa uma forma minha de olhar ao mundo, dizer o que sinto e o que invento. Sei que muitas vezes a quantidade de blogs prejudica a qualidade do que posto, mas não consigo livrar-me de nenhum deles. Alguns ficam um tempinho empoeirados, quase sem postagens – com regularidade mesmo, só o vomitando imagens (esse, sempre): o amores fúnebres, o eu, espantalho, o rascunhos em tons de brevidade e silêncio e, agora, o prelúdio ao homem de palha, o mais recente de todos e que é, na verdade, o que chamo de não-livro, um blog que terá três tomos, cada qual com uma estética-estilo, mas com um único tema. Também posto fotos nos blogs, em três deles, vomitando, deus e outros escombros e o prelúdio. Os demais apresentam ilustrações de pintores que admiro; o da natureza dos sonhos e o rascunhos não possuem qualquer imagem, só palavras.

CC: Qual é o seu método de criação?
Douglas da Cunha Dias: Há um autor chamado Paul Feyerabend, cujo livro “contra o método” orienta minhas intervenções acadêmicas. Por que eu teria método para poetar? Se há algum método na minha poesia, este é algo visceral, corpóreo. Afirmo que o não-método está lá, na origem do primeiro blog: vomitando imagens.

CC: Inspiração existe?
Douglas da Cunha Dias: Sim, existe. Inspiração, pra mim, é algo fundamentalmente visceral, emotivo, avesso ao racional, àquilo que é meticuloso. No meu caso, a inspiração está enraizada à respiração. Do sufoco ao êxtase, respiração, fluxo contínuo e incansável. Expirar e inspirar. Dito isso, não creio que o verbo anteceda à carne. O verbo é, antes, carne. A inspiração será carne ou não será, permita-me parafrasear o Breton.

CC: Qual a finalidade da poesia? É possível defini-la em uma única palavra?
Douglas da Cunha Dias: Não há finalidade alguma que pertença à poesia. Poesia não tem fim. Poesia é um eterno vir-a-ser, no sentido nietzscheano, com todo o peso e a leveza que isso implica. Deste modo, poesia está além de qualquer definição. Mas, uma palavra fala da poesia às minhas entranhas: suportar.

CC: Qual a importância da poesia na sua vida?
Douglas da Cunha Dias: Preenche-me daquilo que fui, alimenta-me daquilo que sou e revigora-me daquilo que serei.

CC: Como você definiria sua Poesia?
Douglas da Cunha Dias: Inquieta.

CC: Poesia para viver… De quê?
Douglas da Cunha Dias: Daquilo que pulsa.

CC: Você acredita em oficinas literárias?
Douglas da Cunha Dias: Elas têm a minha total descrença. Poesia não é algo que se ensine. Ou se aprenda.

CC: Qual a palavra mais bonita da língua portuguesa?
Douglas da Cunha Dias: Saudade. E isso não tem nada de clichê!

CC: Sua opinião sobre o acordo ortográfico.
Douglas da Cunha Dias: A linguagem tem várias possibilidades. A escrita, uma delas. O acordo não modificará a pronúncia das palavras, e isso é bem interessante. Sim, é fato que a língua é e deve ser viva, cambiante. Agora, incomoda-me saber que alguns acadêmicos reunidos decidem o que julgam ser o melhor para uma língua por milhões escrita-falada, a partir de critérios quase-arbitrários, movidos por interesses pouco claros, sequer consultando-nos sobre isso tudo. Talvez porque sejamos rebanho. Ou eles, iluminados, quem sabe.

CC: Qual personagem da literatura que mais marcou você?
Douglas da Cunha Dias: Chinaski.

CC: Dos poetas de hoje, quais são seus preferidos?
Douglas da Cunha Dias: Arnaldo Antunes. Rubens da Cunha. Carlos Besen. Gosto do que a Marianna T., a menina com quem namoro, escreve, embora apenas em blogs. Gabriela Kimura, literatura porrada. E o Antonio Gamoneda. Mas o meu hoje tem muito dos que já partiram: Rilke, Bukowski, Ted Hughes, Maiakovski, Jorge de Lima, Sylvia Plath.

CC: O que você está lendo no momento?
Douglas da Cunha Dias: Leio vários livros, ao mesmo tempo. Agora, Bukowski “O amor é um cão dos diabos”, Vicente Franz Cecim “Ó Serdespanto”, Lucy Figueiredo “Imagens Polifônicas – corpo e fotografia”, Zygmunt Bauman “Vida para consumo”, W. H. Auden “A mão do artista” e o Nietzsche, sempre.

CC: Hoje em dia todo mundo é “escritor”, todo mundo é “poeta”… Basta navegar um pouco pela internet para perceber isso. O que você acha disso? De cada 10 blogs, quantos, em sua opinião, são de Literatura?
Douglas da Cunha Dias: Há blogs de excelente qualidade. Literatura mesmo. Mas a quantidade de blogs vazios, recheados por pessoas vazias, é imensa. Assim, pensando em termos proporcionais, dois, no máximo três blogs a cada dez.

CC: Já que estamos falando em internet e blogs, indique um blog para os leitores do Simplicíssimo.
Douglas da Cunha Dias: Resposta difícil… só um? Se eu indicar o do Rubens da Cunha vai parecer gratidão, porque ele indicou o meu. Assim, indico o blog do Carlos Sousa de Almeida (http://casoual.wordpress.com/) e o palavras sobrepostas, da Marianna (http://www.palavrassobrepostas.blogspot.com/) e assim acabo rompendo o limite da tua pergunta!

CC: Como anda a Literatura aí no PA? Você mantém contato com poetas daí?
Douglas da Cunha Dias: Nenhum contato. Não os conheço, tampouco eles a mim. Admiro, muito, a obra do Vicente Franz Cecim. Dos ditos novos poetas paraenses, os que por aqui são premiados com publicações e coisas do gênero, não gosto.

CC: Algum livro mudou sua maneira de ver e pensar o mundo? Você acredita que isso seja possível?
Douglas da Cunha Dias: Fazer revolução com um livro? Não creio. Creio que um livro possa mudar a nossa forma de ver-sentir-agir. No meu caso, não há um único livro, mas a obra do Nietzsche.

CC: Qual o sentido de tudo isso?
Douglas da Cunha Dias: Ir além. Com todos os sentidos. Em todos os sentidos.

CC: E o papel da poesia?
Douglas da Cunha Dias: Devorar-nos. E ser devorada. Pra que nada estanque.

CC: E o Brasil?
Douglas da Cunha Dias: É o país do futuro, que não chega.

CC: Pode-se dizer que você é inédito em livro, não é?
Ou o nosso livro cinza (*) conta como a primeira experiência em livro impresso? Fale um pouco sobre o livro cinza, já que a modéstia me impede de fazê-lo (risos).
Douglas da Cunha Dias: O livro cinza é minha única experiência em livro impresso e dele sinto muito orgulho. Por todo o processo que envolveu a criação, pela competência tua em administrar os encontros e desencontros, bem como a tua excelência em dar corpo ao livro cinza. Além disso, há a qualidade da poesia nele presente. Fico muito feliz de ter sido publicado ao teu lado e ao lado do Celso. Não sei se algum dia algo meu será publicado, mas o primeiro tem um sabor todo especial.

CC: O que você acha dos e-books?
Douglas da Cunha Dias: Gosto dos livros, do contato com as páginas, do cheiro, das dobraduras. Confesso que a princípio não me sinto atraído pelo formato dos e-books. Mas, enquanto veículo traz em si a essência da subversão. E isso me fascina.

CC: Navegar é preciso?
Douglas da Cunha Dias: Pra que as águas não estagnem. Sim, é preciso navegar.

CC: O navegar é impreciso?
Douglas da Cunha Dias: Por ser fluxo, ir e vir que não cabe em si, impreciso é. Precisa ser.

CC: O que você gostaria de ter falado e que eu não perguntei?
Douglas da Cunha Dias: Que há uma lanterna mágica (Breton mais uma vez) presente naquilo que escrevo.

CC: Qual palavra seria a mais apropriada para o fim de tudo?
Douglas da Cunha Dias: Quietude.

CC: Douglas da Cunha Dias por Douglas da Cunha Dias.
Douglas da Cunha Dias: Olhos docemente tristes. Sorriso que traz paz àqueles que me habitam. Amo, desesperadamente, até o tutano. Tenho a língua presa, sigmatismo lateral, o que faz a minha voz ser sempre de moleque. Poucos amigos, verdadeiros amigos. Guardo sonhos numa caixinha de fósforos. Gosto de silêncio. Rock e blues. Troco o dia pela noite (madrugada), como minha mãe sempre dizia. É isso. E bem mais que isso.


(*) Livro artesanal, com poemas de Douglas da Cunha Dias, Celso Boaventura e Cláudio B. Carlos (CC).

Entrevista concedida ao poeta e prosador Cláudio B. Carlos (CC).

Visite o blog do Douglas da Cunha Dias: www.vomitandoimagens.blogspot.com

 

Cláudio B. Carlos (CC)

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