Simplicíssimo

Edição 318 (05/03/2009) – Procurar no lugar certo

Estamos sempre aprendendo. Ou melhor, deixe-me corrigir a tempo: estamos sempre sendo estimulados.

Para algumas pessoas, os estímulos se transformam em aprendizados, para outras, não passam de meras flutuações da realidade. Sempre fiquei impressionado com crianças-prodígio, aquelas que transformam a maior parte dos estímulos que recebem em aprendizado, e em pouco tempo, conseguem se destacar na área que tem mais apreço.

Nós, como adultos, somos diariamente expostos a vários tipos de estímulos. O apito do trem deve nos avisar para aguardarmos um pouco antes de atravessar a via férrea, bem como aquelas luzes piscando na saída das garagens nos clamam por atenção: um carro pode sair a qualquer momento. São estímulos que levam a aprendizado.

Como médico, frequentemente sou requisitado a encontrar soluções para os problemas de saúde de meus pacientes. Como estudante de medicina, fui treinado teorica e praticamente para exercer com qualidade meu desígnio. No começo da semana, entretanto, uma paciente já antiga veio à consulta com um quadro abdominal "esquisito", não característico de nenhuma afecção que exigisse intervenção cirúrgica mas também não característico de nenhum quadro clínico usual. Ontem ela me trouxe os exames e os mesmos demonstraram uma amebíase intestinal – infecção das menos frequentes e um cisto de 9,5cm atrás da bexiga. Como fazia muito tempo que não tratava nenhuma amebíase intestinal (até lembrava o nome da medicação mas não sua posologia), informei isto à paciente e procurei os dados corretos na frente da mesma durante a consulta. É claro que isto me trouxe um pouco de vergonha, pois, ora bolas, para a maioria dos pacientes, imagino eu, o médico deve saber tudo sobre tudo. Encontrei a dose, lhe expliquei sobre os possíveis efeitos adversos da medicação e disse-lhe que a encaminharia para um colega para investigar melhor aquele cisto retro-vesical. Neste momento, a paciente perguntou se eu mesmo não poderia investigá-la em relação ao cisto. Informei-lhe que já havia pelo menos 8 anos que não investigava e tratava afecções assim, mas que se ela me desse o tempo para estudar sobre a mesma, conseguiria, é claro fazê-lo. Ao que, para minha grata surpresa, a paciente, confiante, aceitou.

Fiquei de fato honrado com a confiança depositada em um médico "não-especialista" nesta área (afinal, minha intimidade é plena com hormônios, mas de bexiga só entendo quando vou ao banheiro…) e feliz com o fato desta paciente entender que o médico não é treinado para ser somente um HD, e armazenar conhecimento. O médico precisa ser um bom processador, e saber fazer as perguntas certas para chegar ao diagnóstico e também saber procurar no lugar certo (fontes científicas) as respostas para suas próprias perguntas.

Então, feliz, neste fim-de-semana vou estudar cistos retro-vesicais e na segunda, quem sabe, serei especialista neles. E você, o que vai aprender neste fim-de-semana?

Rafael Reinehr

PS: nesta edição, inicia a coluna Manifesto Imaginário, capitaneada pela sensacional Audrey Carvalho Pinto. Não perca de jeito nenhum! Além disso, queremos confraternizar com nosso estimado colunista Edweine Loureiro a aclamação em mais um prêmio, desta vez a Medalha de Bronze do Prêmio Machado de Assis , concedido pelo site Arti-Manhas. Nossos sinceros parabéns, Edweine!

Rafael Reinehr

Comente!

Deixe uma resposta

Últimos posts

Siga-nos!

Não tenha vergonha, entre em contato! Nós amamos conhecer pessoas interessantes e fazer novos amigos!

Últimos Posts