O cobertor que não secou.

“O céu azul de ontem foi coberto por um cobertor cinza. Um grosso cobertor cinza que não secou o suficiente no varal”. Kate pensava nisso enquanto evitava, com uma fervoracidade incrível para alguém de sua idade, olhar para a família, pois ela sabia que iria encontrar o mesmo olhar de desespero que estava em sua face naquele momento.

Seu pai, “papi”, havia falecido…

Ninguém entenderia o que ela estava sentindo. Era como um tampão, ou rolha, preso na sua garganta.

“Dói tanto papai.” Pensava ela, enquanto desejava o cessar das lágrimas alheias.

O cemitério, como sempre, estava cinza.

Um cinza que lembrava exatamente o que ela queria esquecer. Todos os anjos esculpidos, para ela, não lembravam o “paraíso” de que ela tanto ouvira falar. Lembravam ao desespero, ao contínuo desespero.

Pessoas da cidade toda vieram, todas prestavam homenagens à família. Mas ninguém, em momento algum, se lembraria de uma pequena menina de quase 10 anos, com os cabelos castanhos tampando-lhe o rosto sem vida, seco, triste…

Tudo foi feito, as homenagens etc…

Derrepente…

“O que é isso? É música? Uma Banda?”

A banda marchava do lado de fora do cemitério, sobre o cimento sujo e molhado.

Kate não demorou a entender o que estava acontecendo. Nesse exato mesmo dia o novo prédio da prefeitura seria inaugurado, com direito à banda, comida de graça e outro entretenimentos. A inauguração foi adiada, mas a banda não foi avisada.

Enquanto o prefeito corria, com sua perna coxa, os cabelos lanosos e que lembravam a pena de passarinho. As pessoas, imagine, riam. Um riso solto e divertido.

Kate também sentiu essa felicidade desbloqueando sua garganta. Ao mesmo tempo em que sentiu uma pequena lágrima quente escorrendo pelo seu rosto, percebeu que era isso que seu pai iria querer que todos fossem felizes, enquanto pensava nisso outro pensamento invadiu sua mente.

Olhou para o céu. Vai ficar tudo bem.