Simplicíssimo

Vinícius, um filme singular de um homem plural

Como descrever a emoção de um filme que fala sobre a vida e obra de Vinícius de Moraes se não com a poesia do próprio Vinícius?

"Quem pagará o enterro

e as flores

se eu me morrer de amores?”

“De manhã escureço

De dia tardo

De tarde anoiteço

De noite ardo”

E da mesma forma como comecei este texto, começa o filme de Miguel Faria Jr., que conseguiu nada menos do que fazer com que um documentário biográfico transborde emoção em cada milímetro de sua película. Aquele que prestar atenção à platéia, poderá constatar o que digo ao vê-la chorar, com a bela interpretação do Soneto de Fidelidade por uma emocionada Camila Morgado, ou rir às gargalhadas das fantásticas histórias contadas no filme por Chico Buarque ou Tom Jobim, o Tom do Vinícius. Um filme simples, sem efeitos especiais, tiroteio ou cenas de sexo explícito, que atrai e deixa o público atento e com as emoções à flor da pele. São daqueles filmes que deixam o espectador louco de vontade de pegar a fila novamente, comprar novo ingresso e assistir o filme de novo, só pra prestar atenção nos detalhes perdidos. Conseguir isso nos dias de hoje, sem apelar pro trinômio sexo, violência e efeitos especiais, não é nada fácil.

Vinícius não é apenas um filme biográfico, é muito mais que isso. O filme transcende a simples narração da vida e obra de um poeta, como aquelas biografias chatas das TVs fechadas. Também é muito mais do que um documentário. Vinícius vai muito além disso tudo. Miguel Faria Jr. conseguiu transpor para sua película a mesma emoção que uma pessoa sente ao ler um poema de Vinícius e é justamente por isso que não podemos limitar o filme a um desses formatos. No fundo, ele transita entre todos esses formatos sendo apresentado através de uma forma muito simples e conhecida, já que sua beleza não está apenas no formato como é apresentado, mas muito mais em seu conteúdo.

Da mesma forma como Vinícius em sua poesia, Miguel partiu em busca da simplicidade e a encontrou através dos depoimentos de amigos, parentes e parceiros do poeta; através de convidados especiais que cantavam, muitas vezes emocionados, as músicas de Vinícius e, sobretudo, através das excelentes interpretações de Camila Morgado e Ricardo Blat que, simulando um show de Vinícius em um cabaré, recitam seus poemas e conduzem o filme fazendo uma perfeita ligação entre depoimentos, imagens do Rio de Janeiro e do Brasil nas diferentes épocas da vida de Vinícius e das participações especiais. Contudo, a beleza do filme não está apenas na simplicidade da forma como foi apresentado, mas sobretudo no conteúdo pinçado com maestria da vasta obra literária e musical de Vinícius. Da maneira perfeita como ele relacionou a obra do autor, com o espaço e o tempo em que o poeta vivia. Justamente aí está o mérito de Miguel Faria, que soube como poucos captar os momentos cruciais da vida de Vinícius num Brasil que, durante este tempo, passou da Belle Époque da década de 10, quando ele nasceu, viveu o grande milagre desenvolvimentista de JK, da Tropicália e da Bossa Nova nas décadas de ouro de 50 e 60 e culminou no Brasil que tomou outra direção após o golpe militar de 64 e do AI 5. Direção da qual Vinícius jamais voltaria a ver sua pátria retornar. Voltar àquele Brasil da cultura efervescente, onde o povo abria as portas de suas casas para se reunir e fazer música, onde Ipanema era o modelo de um Brasil viável, multicolorido e que tinha um futuro promissor diante de si, mas que acabou por mergulhar no abismo da ditadura militar e seguir com muito mais do mesmo de sempre empurrado por essas elites monocromáticas.

Vinícius

Direção: Miguel Faria Jr.

Com: Camila Morgado, Ricardo Blat, Chico Buarque, Ferreira Gullar e convidados.

Nota: *****

Roger Beier

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